A GUINÉ-BISSAU NO CONCERTO DAS NAÇÕES
É
preciso recuarmos no tempo para percebermos a triste e desagradável realidade
histórica que demonstra que a Guiné (antes, durante e depois da colonização)
nunca foi um reino de Paz e tranquilidade. Muito pelo contrário, foi sempre
fustigado por guerras sangrentas e violências gratuitas, que fizeram dela um
baluarte de dor, sofrimento, sangue e lágrimas, por ser uma sociedade muito
fraccionada, que na hora de avaliar e de julgar não consegue ser objectivo e justo,
recorrendo quase sempre ao sentimento de pertença (étnica, religiosa, regional,
familiar, de proximidade (amizade, interesses partilhados, etc.), para decidir
o veredicto final.
O
esforço colectivo revelado durante a Luta de Libertação Nacional, criou a
ilusão de termos finalmente ultrapassado as contradições que inundaram de
sangue a nossa história secular e de termos atingido o ponto de convergência
nacional, imprescindível a edificação de uma sociedade mais homogénea e
tolerante do ponto de vista político e sociocultural.
Infelizmente,
a conquista da nossa independência simbolizava apenas a conquista da liberdade
colectiva, privando-nos do fundamental (a liberdade individual) e com ela o
mais sagrado do Direito Humano – o Direito a Livre Expressão. A onda de
perseguições políticas, prisões arbitrárias, espancamentos, fuzilamentos,
abusos do Poder, injustiça social e demais formas de violação dos Direitos
Humanos, a corrupção, o divórcio entre o saber e o saber fazer e,
posteriormente, a tendenciosa “abertura política” proclamada nos anos noventa e
defeituosamente implementada, vieram constituir um solo fértil para a
germinação dos nossos males do passado (tribalismo, crenças religiosas,
regionalismo arcaico, etc., etc.), mergulhando o País num ciclo infernal de
conflitos político-militares, colisões institucionais, choques de interesses e
permanente instabilidade sociopolítica.
Neste
momento decisivo da nossa história, quando finalmente começa a despontar a luz
ao fundo do túnel, acalentando a esperança do nosso povo mártir num futuro
próspero, eis que surgem indícios de um novo conflito institucional no nosso
País, ameaçando com novos recuos e adiamentos e em que nenhum cidadão que pauta
pelo bom senso deve estar minimamente interessado, na medida em que, os
acontecimentos similares do nosso passado recente demonstram que ninguém sai a
ganhar com as suas consequências, pelo que cada um de nós deve investir toda a
sua influência, sua energia e seu intelecto, para que a nossa Guiné-Bissau não
seja novamente adiada e lançada à margem do enorme caudal do desenvolvimento
global que tem caracterizado a nossa época.
Considerando
que para a Guiné-Bissau não existem alternativas à estabilidade sociopolítica,
a vigente situação interpela-nos a adoptar uma atitude responsável e coerente
no que respeita a instauração de um clima de paz, de diálogo sério e honesto,
de tolerância face as nossas diferenças de pensamento e de acção e sobretudo de
respeito mútuo, enquanto pressupostos imprescindíveis à construção de uma
sociedade justa, moderna e progressista.
Por
conseguinte, urge imprimir um esforço adicional para que se estabeleça um clima
de franco e permanente diálogo institucional entre os principais Órgãos da
Soberania, com base no Princípio da Partilha do Poder, plasmado na nossa Carta
Magna, de modo a imprimir uma nova dinâmica e consensualidade ao processo
governativo, neste momento em que o estado da Nação reclama por unidade e
assunção colectiva de responsabilidades à todos os níveis.
Sem
pessimismos nem exageros, é imperioso reconhecer que a situação que hoje se
vive nos bastidores do Poder na Guiné-Bissau é extremamente alarmante, perante
a impotência duma Constituição ultrapassada no tempo e incapaz de dar respostas
objectivas às questões de fundo da actualidade politica nacional, sobretudo no que
concerne às relações e interacções institucionais, carecendo de actualizações
(reformas) que contribuiriam para fortalecer o Estado de Direito Democrático,
desanuviar o ambiente político, imprimir modernidade e uma nova dinâmica e
conceito de liderança e de governação, transmitindo aos nossos parceiros de
desenvolvimento uma mensagem de confiança, credibilidade e fiabilidade no
funcionamento das nossas Instituições.
A
tão sonhada democracia representativa, estabilidade Politica, paz e progresso
na Guiné-Bissau requer boa vontade, engajamento e determinação de todos os
quadrantes da sociedade, sem excepção, considerando a dimensão das reformas que
seremos chamados à realizar e as repercussões que terão na nossa vida e no
futuro do nosso País.
·
Torna-se
inadiável reformar a nossa Constituição de forma a assegurar que a partilha do
Poder nela plasmada, seja um factor de consolidação dos princípios básicos do
democratismo;
·
A
reforma da lei Eleitoral deve contemplar a realização de eleições autárquicas, atribuindo
assim autonomia e acrescidas responsabilidades ao Poder Local, enquanto factor
determinante do processo de desenvolvimento socioeconómico;
·
A
reforma nos sectores da Defesa e Segurança deverá responder aos imperativos de
organizar e apetrechar devidamente as Forças Armadas e da Segurança Nacional,
situando-as à altura dos desafios da actualidade (defesa da Soberania e da
Integridade Territorial do nosso País e a Luta contra o terrorismo
internacional e o crime organizado);
·
A
Justiça, enquanto alicerce fundamental do sistema democrático, instrumento que
visa a salvaguarda dos Direitos Fundamentais dos cidadãos, deve finalmente
desempenhar as funções que lhe são delegadas pela Constituição e corresponder
plenamente às mais sagradas expectativas do nosso povo.
·
Todo
este conjunto de reformas deve ser precedido de um debate público exaustivo
sobre o Modelo de Sociedade que preconizamos para a nossa vivência, com base nas
especificidades da nossa composição social e dos valores culturais inerentes e assegurar
que tanto a forma como o sistema de Governo (Presidencialismo ou Semipresidencialismo),
assim como a própria liderança se enquadrem nesse Modelo de Sociedade.
Dr. Luís Duarte Pinto – Ph.
D. em Ciências Agrárias (Agro-Químico) e Técnico de Contabilidade e Gestão
Financeira.
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